Texto 26 - Kant (parte 3) - Por Giovanne Reale



4. A Crítica do juízo

4.1. A posiçãp da terceira Crítica em relaçao as duas anteriores

_ A Crítica da razão pura ocupou-se da faculdade teórica, ou
seja, do aspecto cognoscitivo da razão humana, concluindo que a
es era or ela do ' ' '^ °
é a esfera dos fâilâíígâêadaiãgiírêfonía (real qu pqssíwall): que
A - umano im oe a ei aos
fenomenos e estes, regulados pelas leis do intelecto, !constituem a
natureza. Essa natureza é caracterizada pela causalidade mecânica
e pela necessidade, que é a necessidade mesma que lhe imprime o
intelecto, como_ se viu amplamente.
_ J á_a Critica da razão prática tratou de um tipo diverso de
legislaçao, caracterizada pela liberdade. Tal legislação, porém,
nao os: explica em um ambito teorico, mas prático, como também
Portanto, o domínio da razão pura não pode de modo algum
nos ~representar seus objetos como coisas em si, mas somente como
fenomenos; ja odominio prático pode nos representar seus próprios
objetos como coisas em S1 (supra-sensíveis), mas não pode conhecê-
los teoricamente. As coisas em si e aos númenos só podemos dar
realidade prática.
_ E evidente que essa "ruptura" entre "fenômeno" e “númeno”
devia atormentar Kant, ainda mais que a) já na primeira Crítica,
ele haviaadmitido (embora com uma série de cautelas e distinções)
que a coisa em si é o substrato numênico do fenômeno (sendo
Pensãvel, ainda que não cognoscível) e b) na segimda Crítica, havia
:diiãiãtàdo o acesso por via prático-moral ao mundo das coisas em si
umenos.
_ Na Crítica do juízo, ele se propõe então a tarefa de tentar uma
mediação entre os dois mundos e, de certa forma, captar a sua
unidade, embora reafirmando firmemente que essa mediação não
poderá ser de caráter "cognoscitivo” e “teórico".
_ t Eis as afirmações programáticas de Kant: “Ora, embora
exis a um abismo imensurável entre o domínio do conceito de
natureza ou o sensível e o domínio do conceito de liberdade ou o
supra-sensível, de modo que não é possível nenhuma passagem do
primeiro para o segundo (através do uso teórico da razão), como se
fossem dois mundos tão diversos que o primeiro não possa ter
qualquer influência sobre o segundo. Entretanto, o segimdo deve
ter uma influência sobre o primeiro, isto é, o conceito da liberdade
deve realizar no mundo sensível o objetivo proposto através de
suas leis e, conseqüentemente, a natureza deve poder ser pensada
de modo que a conformidade às leis que constituem a sua forma
possa pelo menos se harmonizar com a possibilidade dos objetivos,
que devem se concretizar nela segundo as leis da liberdade. Desse
modo, deve haver um fundamento da unidade entre o supra-
sensível que é o fundamento da natureza e aquilo que o conceito da
liberdade contém praticamente, um fundamento cujo conceito, na
verdade, é insuficiente para dar seu conhecimento, tanto teórica
como praticamente, não tendo portanto nenhum domínio próprio,
mas que, apesar disso, permite a passagem do modo de pensar
segundo os princípios de um ao modo de pensar segundo os
princípios do outro."
Esse fundamento é uma terceira faculdade, que Kant
identifica como intermediária entre o intelecto (= faculdade
cognoscitiva) e a razão (= faculdade prática) e que chama de
faculdade do juízo, que se revela estreitamente vinculado com o
sentimento puro.
Para compreender a nova Crítica, é necessário esclarecer
bem o novo significado de “juízo" e estabelecer com exatidão em que
ele se diferencia do “juízo" teórico de que fala a Crítica da razão
pura.
4.2. “Juízo determinante” e "juízo reflexivo”
Segundo Kant, o juízo em geral é a faculdade de assumir o
"particular" no “universal”, ou seja, a faculdade de pensar o
particular contido no universal. Ora, a esse respeito, dois casos são
possíveis.
1) No primeiro caso, podem se dar tanto o “particular” como
o "universal". Nesse caso, o juízo que opera a adoção do particular
@á dado) pelo universal (também já dado) é determinante. Todos os
juízos da Crítica da razão pura são determinantes, porque são
dados tanto o particular (o múltiplo sensível) como o universal (as
categorias e os princípios a priori). Kant chama esse juízo de
“determinante” porque ele determina teoricamente o objeto (o
constitui como objeto, como já vimos).
2) Ou então, no segimdo caso, pode ser dado só o “particular”,
devendo o “universal” ser procurado. E é precisamente o juízo que

deve procurá-lo. Nesse caso, o juízo se chama "reflexivo". E chama-
se “reflexivd” porque esse “universal que se deve encontrar” não é
uma lei a priori do intelecto, mas, diz Kant, deriva de um “princípio
da reflexão sobre objetos para os quais, objetivamente, nos falta em
absoluto uma lei” (Note-se que, aqui, “reflexãd” assume sentido,
não genérico, mas técnico: para Kant, “reflexão” signiñca compa-
rar e conjugar representações entre si e colocá-las em relação com
as nossas faculdades do conhecimento.)
Como veremos, esse princípio “universal" da reflexão é dife-
rente do universal do intelecto e é análogo ao das Idéias da razão:
ele consiste na Idéia de finalidade.
Note-se, ademais, que, enquanto no juízo determinante os
dados particulares são os fomecidos pela sensibilidade e, portanto,
são dados informes que são “enformados" pelas categorias, no juízo
reflexivo os dados são constituídos pelos objetos já determinados
pelo “juízo determinante” ou teórico. Assim, podemos dizer que o
“juízo reflexivo" reflete sobre esses objetos já teoricamente deter-
minados (sobre as representações desses objetos) a fim de “encon-
trar" e “recuperar” a concordância entre si e com o sujeito (com as
suas faculdades cognoscitivas e com as suas exigência morais,
particularmente com a liberdade). No juizo reflexivo, nós capta-
mos as coisas como em harmonia umas com as outras e também em
harmonia conosco.
Como dissemos, o universal próprio do juízo reflexivo não é
de natureza lógica, porquanto se trata de um universal que, muito
mais, corresponde às Idéias da razão e ao seu uso normativo. Com
efeito, nos simples juízos refleicivos, para poder remontar do
particular ao universal que deve ser “encontradd” (ou seja, para
encontrar a unidade sob a qual reunir os vários objetos e os vários
casos), temos necessidade de um princípio-guia a priori, que,
seg1mdo Kant, outra coisa não é senão a hipótese da finalidade da
natureza em seus múltiplos casos e manifestações, ou melhor, a
consideração da natureza e de tudo o que nela foi deixado indeter-
minado pelo nosso intelecto “segimdo uma unidade que possa ter
sido estabelecida por um intelecto (ainda que não o nosso)”, precisa
Kant, ou seja, segimdo uma unidade "que possa ter sido estabelecida
por um intelecto divino". E evidente que, considerada desse ponto
de vista, vale dizer, como a realização do projeto de uma mente
divina, toda a realidade da natureza, particularmente todos os
acontecimentos que nos aparecem como contingentes, manifes-
tam-se então sob uma luz completamente diferente, ou seja, à luz
de um objetivo e de um fim.
Desse modo, o conceito de fim, que fôra excluído da Razão
pura, ingressa na filosofia kantiana nessa fórmula complicadís-
sima do “juízo reflexivo”, aliás bastante sugestiva. O conceito de
“fim" não é um conceito teórico, como já recordamos, mas algo que
se radica em uma necessidade e em uma instância estrutural do
sujeito. Entretanto, embora dentro desses limites, o juízo reflexivo
“fornece o conceito intermediario entre o conceito da natureza e o
da liberdade". Concebida “teleologicamentd”, a natureza se har-
moniza com a "finalidade moral", porque a fmalidade faz a natu-
reza perder a sua rigidez mecanicista e torna possivel a sua
harmomzação com a liberdade.
Mas nós podemos “encontrar” o finalismo na natureza de dois
- - ° '- ' o so-
modos diferentes, amda que conjugados eiiitre si. a; rãgãtgliílgreza
bre a beleza ou entao b) refletindo sobre o agr enamãn o »c a) o _uízô
Daí a distinção kantiana de dois tipos de juizo re exivplás J
estético e b) o juizo teleologico, que agora examinare .
4.3. O juízo estético
A existência de juízos estéticos é um dado de fato evidente por
si só. Mas, diante da existência do juízo estético, colocam-se dois
problemas: 1') em primeiro lugar, o de estabelecer o que seja
propriamente o belo que nele se manifesta; 2) em segundo lugar, o
de remontar ao fundamento que o torna possivel.
E eis a solução kantiana para esses dois problemas.
1) Para Kant, o belo, obviamente, não podeser uma proprie-
dade objetiva das coisas (o belo oritologico), masfslm algto qlfe nããií:
da relação entre o objeto e o sujeito. Maisprecisamen eáe aãm o
propriedade que nasce da relaçao dos, objetos compara os ó rios
nosso sentimento de prazer e que nos atribuimos aos pr p
objetos. A imagem do objeto referida ao sentimento dfà Praz::
comparada a este e por este avaliada da lugar_ ao juizo “e gos .
Esse juízo não é cognoscitivo, porque o sentimento nao (E 111m
conceito e, portanto, os juízos de gosto nao sao juizes teóricos. e o,
portanto, é aquilo que agrada_ Se81md0 0 JUIZO de 3031"* ° ?le
implica em quatro características (que Kant deduz das qua ro
classes de categorias).
grosseiro prazer dos sentidos e que não está ligado sequer ao útil
econômico ou ao bem moral.
. ' 77
b) Belo é "aquilo que agrada universalmente, sem conceito .
O prazer do bem é universal, porque vale. para todos os homens e,
portanto, se distingue dos gostos individuais; entretanto, essa
universalidade não é de caráter conceitual e cognoscitivo, Trata-se
portanto de uma universalidade “subjetiva”, no sentido de que Vale
para cada sujeito (referida que é ao sentimento de cada um)-

c) “A beleza é a forma da finalidade de um objeto, enquanto
é percebido sem a representação de objetivo". G. de Ruggiero
explica muito bem essa característica no seguinte texto: “O belo
nos dá uma impressão de ordem e de harmonia, isto é, de um fim
para o qual estão voltados os elementos do objeto representado.
Mas, se analisarmos essa impressão, veremos que nenhum fim
determinado e particular pode nos dar razão. Não é o ñm egoísta
da satisfação de uma nossa necessidade, pois sentimos que o
prazer da beleza é desinteressado. Não é o fim utilitário, pelo qual
o belo estaria subordinado a alguma coisa, pois sentimos que o belo
é tal em si mesmo e não a serviço de outro. Não é o fim de uma
perfeição intrínseca, ética e lógica, pois a essa nós chegamos
através de uma reflexão conceitual, ao passo que o belo agrada
imediatamente. Excluindo-se assim qualquer fim determinado,
resta a própria idéia da finalidade, em seu aspecto formal e
subjetivo, como idéia de uma concordância quase intencional de
partes em um todo harmônico. Essa característica pode ser mais
bem entendida quando consideramos a relação entre o belo da
natureza, de que se fala, com o belo na arte. Diante do belo da
natureza, nós percebemos como que a presença de um desígnio
intencional pelo qual o objeto belo se nos configura como obra de
arte. Ao contrário diante de uma obra de arte, que segue um
desígnio intencional, nós sentimos que ela é verdadeiramente bela
quando aquela intencionalidade se oblitera e o objeto parece uma
criação espontânea da natureza. Reunindo as duas qualidades,
que parecem em contraste, mas são convergentes, podemos dizer
que no belo, da natureza ou da arte, é preciso que exista e não exista
fim, ou seja, exista como se não existisse, isto é, que a intenciona-
lidade e a espontaneidade estejam fundidas de tal maneira que a
natureza pareça arte e a arte pareça natureza”.
d) “O belo é aquilo que é reconhecido, sem conceito, como
objeto de prazer necessário.” Trata-se, obviamente (como também
no caso da universalidade), não de uma necessidade lógica, mas
sim subjetiva, no sentido de que se trata de algo que se impõe a
todos os homens.
2) Resolvido o primeiro problema, vejamos o segimdo: qual é
o fundamento do juízo (reflexivo) estético? O fundamento do juízo
estético é o “livre jogo e harmonia das nossas faculdades espiri-
tuais” (a harmonia entre a representação e o nosso intelecto, entre
a fantasia e o intelecto) que o objeto produz no sujeito. O juízo de
gosto, portanto, é o efeito desse livre jogo das faculdades cognos-
citivas. São compreensíveis, portanto, as conclusões de Kant:
“Esse juízo puramente subjetivo (estético) do objeto ou da repre-
sentação com que ele nos é dado precede o prazer pelo objeto e é o
fundamento desse prazer pela harmonia das faculdades do conhecer:
mas só se funda na universalidade das 00115555593 subletiVas 11°
juízo dos objetos essa validade subjetiva universal do prazer que
nós ligamos à representação do objeto que chamamos “belo”.
4.4. A concepção dO Sublime
O sublime é añm ao belo, porgue 381' ada «P05
mesmo” e, do mesmo modo, pressupoe um juizo de reflexao¡
diferença está no fato de que o belo diz respeito forma do 0bJ°t°
e a forma é caracterizada pela limitaçao (Çe-termiDfiÇaOX 3° Pas”
que o sublime também diz respeito aquiloque_ e mfoâlâle e 9116,
enquanto tal, implica a representação do ilimitado. d emai_s, e
belo produz um prazer positivo, enquanto o sulime pro uz um pra
zer negativo (por vezes, Kant chega a dizer que Pfmiuãêlge se?"
timento de desprazer). Escreve Kant: Osublune D30 P0 ,d “m1
a algo atrativo; e, como o espirito nao é simplesmente atrai o pe o
objeto mas alternadamente atraído e repelido, o prazer dO Subhme
não é tanto uma alegria positjVa. mas 111115170 11131531” wngnaggrü:
ravilhamento e estima, isto e, merece ser chama_ o umsentar o
8atÍV0”- E› 'P01' 5m, 0 °5Pmt° tende à comoçab alo S2 re? de calma
sublime, ao passo que, representallfh-Se 0 e 0, 8023
.v contemplação”.
Mas ° 'e mrfriâzzrtíz::
é de duas espécies: matem ico e amico, o p .
infinitamente grande e o seglmd° P910 mñmtaânÊnte Wteãltfé
Diante do imensamente grandemceanmoéu 91703011. mmensanladol se
potente (terremotos, vulcoes etc.) 0 homem, P01' um 1› d
descobre pequeno e se sente esmagado, maS› P01' 01117:: t: :é
descobre ser superior àquele imensamente grande 911 &Onôâenos
caráter fisico (oceano, céu, terremotos e vulcoes sao" Idéias da
físicos), dado que leva em si as Idéias razao, :ue saíam Vista
totalidade absoluta,óque 8111111619111 aqullo que Pnm ›
parecia superar o pr prio amem. “ _ _
Eis as eloqüentes palavras de Kant: O verdadeã submit:
não pode estar contido em alguma forma senSíVeL mas T9991_
somente às Idéias da razão, as quais, 9mb°ra nenhuma exlblçÊc'
lhes possa ser adequada. alíáfbprecisamnte 17°' ml despmmrçaa
ue se pode exibir sensivelmente, são evocadas e despertadas em
:osso espírito. Assim, o imenso oceano erguido pelaltãnfPestãde
não pode ser chamado desubhme: a sua visao éterrive . e pêeclã:
que o espírito já tenha sido preenchido por tais idéias se, a ::de
de tal intuição, deve ser determinado a um sentimento, que en_
próprio sublime, enquantao espirito é levado a alíandotâalr :tr ”
sibilidadeese ocupardeldews que contêm 11771017710 ldade_ é P . '_
Em conclusão, a deñmçao mais apropriada de sublime a segum

te: “Sublime é aquilo que, pelo fato mesmo de poder só pensá-lo,
atesta uma faculdade de espírito superior a toda medida dos
sentidos.”
4.5. O juízo teleológíco e as conclusões da Crítica dojuízo
A finalidade do juízo estético é uma finalidade “sem objetivo”,
como vimos, isto é, uma finalidade para o sujeito (o objeto parece
feito de propósito para o sujeito, a fim de pôr harmonicamente em
movimento as suas faculdades). No juízo teleológíco, ao contrário,
considera-se a finalidade da natureza, que Kant recupera, preci-
samente, ao nível do “juizo reflexivo”.
Essa é a parte mais atormentada da terceira Crítica, porque
muitas considerações de Kant o levariam a conclusões metañsicas,
que ele, no entanto, repele por causa dos preconceitos que carrega
desde a primeira Crítica.
As conclusões do ñlósofo são as que se seguem.
Nós não sabemos como a natureza é em si mesma (conside-
rada numenicamente), já que só a conhecemos fenomenicamente.
Entretanto, nós não podemos deixar de considerá-la como organi-
zada ñnalisticamente, dado que em nós há uma teWncia irre-
freável a considerá-la desse modo.
Aliás, Kant admite inclusive que alguns produtos da natu-
reza ñsica (os organismos) não podem ser explicados segimdo leis
puramente mecânicas, eidgindo “uma lei de causalidade inteira-
mente diferente”, isto é, a causalidade ñnalística. s
Entretanto, não é possível a extensão do ñnalismo a toda
natureza, do ponto de vista cognoscitivo, pelas razões que já vimos
(deveríamos ter um intelecto intuitivo e poder construir uma
metañsica como ciência). Kant encontra a solução (não sem ter que
forçar um pouco) precisamente graças ao juízo teleológíco enten-
dido como simples “juízo reflexivo”.
As seguintes palavras de Kant resumem claramente a sua
posição: “Há uma diferença absoluta entre dizer que a produção de
certas coisas da natureza ou até de toda a natureza não é possível
senão através de uma causa que se determina a agir intencional-
mente e dizer que, segundo a natureza particular de minha
faculdade cognoscitiva, eu não posso julgar da possibilidade da-
quelas coisas e de sua produção senão pensando uma causa que age
intencionalmente e, portanto, um ser que produz analogamente à
causalidade de um intelecto. No primeiro caso, quero añrmar algo
do objeto e sou levado a demonstrar a realidade objetiva de um
conceito que eu admito; no segimdo, a razão nada mais faz do que
determinar o uso de minhas faculdades cognoscitivas, em confor-
midade com a sua natureza e com as condições essenciais de sua '
dimensão e dos seus limites. De modo que o primeiroé umprincipio
objetivo pelo juízo determinante e o segundo um principio Subjetl-
vo _que serve simplesmente pelo juízo reflexivo e, portanto, uma
máxima que lhe é atribuída pela razão.”
Entretanto, Kant reconhece expressamente que a considera-
ção teleológica tem uso normativo e até euristtco, ou se] a, válido
“para investigar as leis particulares da natureza”.
Mas a conclusão da Crítica do _juízo é que, vista pelaotica do
juízo reflexivo, a realizaçao do fim moral do homem o objetivo da
natureza e que “segundo os principios_ da razao, existem motivos
suficientes (. . .) para que o Juizo reflexivo considere o homem nao
somente como fim da natureza, como todos os seres orgamzados,
mas também como objetivo da natureza sobre a terra, de modo que,
em relação a ele, todas as outras coisas naturais constituem um
sistema de fins”. Sem o homem, o mundo seria um deserto vazio. E
só a “boa vontade” constitui um objetivo último.
Essa foi a obra que teve maior mfluencia sobre os contempo-
râneos de Kant e também sobre a geração seguinte: para Goethe,
para Schiller e para os poetas românticos, Kant foi sobretudo o
autor da terceira Crítica.
5. Conclusões: “o céu estrelado acima de mim
e a lei moral dentro de mim”
como marca espiritual de Kant
como homem e pensador
Já acenamos à afirmação simbólica de Kant segundo a qual
as duas coisas que mais o enchiam de admiração eram o ceu
estrelado e a lei moral. Agora, como conclusão, é tempo de ler essa
passagem na íntegra: _ Â
“Duas coisas enchem-me o espírito de admiração e reveren-
cia sempre novas e crescentes, quanto mais freqüente e longa-
mente o pensamento nelas se detém: o céu estrelado acima de mim
e a lei moral em mim. Não tenho que buscar essas duas coisas fora
do alcance da minha vista, envolvidas em obscuridade, ou no
transcendente. Nem devo, simplesmente, presumi-las. Eu as vejo
diante de mim e as vinculo imediatamente à consciência da minha
existência. A primeira começa do lugar que ocupo no mundo
sensível externo e estende a conexão em que me encontro a
grandezas imensuráveis, com mundos sobre mundos e sistemas de
sistemas e, além disso, aos tempos sem fronteiras do seu movi-
mento periódico, do seu início e da sua duração. A segunda parte
do meu Eu invisível, da minha personalidade, representando-me em um mundo que tem uma inñnitude verdadeira, mas que só é
perceptível pelo intelecto, com o qual (mas, por isso e ao mesmo
tempo, com todos aqueles mundos visíveis) me reconheço em uma
conexão não simplesmente acidental, como no primeiro caso, mas
universal e necessária. A primeira visão, de um conjunto inume-
rável de mundos, aniquila, por' assim dizer, a minha importância
de criatura animal, que deverá restituir a matéria de que é feita ao
planeta (um simples ponto no universo), depois de ter sido dotada
por breve tempo (não se sabe como) de força vital. A segunda, ao
contrário, eleva infinitamente o meu valor, como valor de uma
inteligência, graças à minha personalidade, na qual a lei moral me
revela uma vida independente da animalidade e até mesmo de todo
o mundo sensível, pelo menos por aquilo que se pode deduzir da
destinação final de minha existência em virtude dessa lei, desti-
nação que não se limita às condições e às fronteiras desta vida, mas
que vai até o infinito.”
E assim, para Kant, o homem, que na Razão pura revelou-se
fenomênico, ñnito, mas dotado (como razão) de estrutural abertura
para o infinito (as Idéias) e de uma necessidade irrefreável de
infinito, agora na Razão prática (da qual foi extraída essa passa-
gem) revela-se também efetivamente destinado ao infinito.
O destino do homem, portanto, é o infinito.
Com essas posições, nos preparamos para transcender os
horizontes do iluminismo e chegamos aos umbrais do romantismo,
que, em sua poesia e em sua filosofia, estará todo voltado precisa-
mente para o inñnito.

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