Por Antonio Carlos Olivieri*
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
"O Iluminismo é a saída dos homens do estado de
minoridade devido a eles mesmos. Minoridade é a incapacidade de utilizar o
próprio intelecto sem a orientação de outro. Essa minoridade será devida a eles
mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão
e coragem para utilizar o intelecto como guia. 'Sapere aude!' 'Ouse usar seu
intelecto!' é o lema do Iluminismo."
Assim o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) definiu
esse movimento filosófico que se estendeu das últimas décadas do século 17 aos
últimos decênios do século 18, em especial na França, Inglaterra, Escócia e
Alemanha, embora sua influência tenha se expandido até o Novo Mundo.
As luzes da razão
Essa linha filosófica se caracteriza pelo empenho em
estender a razão como crítica e guia a todos os campos da experiência humana.
Nesse sentido, ela pretende levar as luzes da razão às trevas da ignorância e
do obscurantismo e compreende três aspectos diversos, mas relacionados entre
si:
- extensão da crítica a toda e qualquer crença e conhecimento sem exceção;
- realização de um conhecimento que, por estar aberto à crítica, inclua e organize os instrumentos de sua própria correção;
- uso efetivo do conhecimento assim atingido com o fim de melhorar a vida privada e social dos homens.
- extensão da crítica a toda e qualquer crença e conhecimento sem exceção;
- realização de um conhecimento que, por estar aberto à crítica, inclua e organize os instrumentos de sua própria correção;
- uso efetivo do conhecimento assim atingido com o fim de melhorar a vida privada e social dos homens.
Vamos analisar casa um desses aspectos em particular.
Fé na razão
Se por um lado o Iluminismo adota a fé na razão, ao mesmo
tempo considera limitado o poder da razão, cuja expressão típica é a doutrina
da coisa em si, ou seja, os poderes cognoscitivos do homem, tanto sensíveis
quanto racionais, vão até onde vai o fenômeno, mas não além, quer dizer, não
atinge a coisa em si, independentemente de sua relação com o homem, para o qual
é um objeto de conhecimento.
Por outro lado, considerada a limitação dos poderes
cognoscitivos, não existem campos privilegiados dos quais a crítica racional
possa ser excluída. Em particular, isso implicava os campos da política, da
moral e da religião, que até então eram tabus para o pensamento racional, aos
quais o importante filósofo e matemático racionalista francês René Descartes
(1596-1650) achava que a razão não tinha outra coisa a sugerir além da
reverência às normas tradicionais.
Princípios racionais de governo
O Iluminismo não aceitava as renúncias cartesianas. Ao
contrário, estendeu a indagação do domínio da religião e da política, propondo
uma religião natural ou racional, fundada não na revelação histórica, mas na
manifestação natural da divindade à razão do homem (deísmo), ao mesmo tempo que
questionavam os fundamentos do poder absolutista e procuravam estabelecer os
princípios racionais do governo e da organização social. Da mesma forma,
evidenciando a importância dos sentimentos e das paixões na conduta do homem,
buscam novos pilares para a vida moral do homem.
Essa atitude crítica do Iluminismo expressa-se
principalmente em sua hostilidade à tradição, que considera a força mantenedora
das crenças e preconceitos que deveriam ser destruídos. Para os iluministas,
tradição e erro coincidiam. Apesar de essa tese poder parecer exagerada hoje,
não se pode esquecer que foi graças a ela que se venceram os poderosos entraves
que a tradição impunha à livre pesquisa.
O segundo aspecto a ser destacado no Iluminismo é que ele
inclui o empirismo, ou seja, considera um atributo do conhecimento válido o
fato de poder ser posto à prova. Essa atitude empirista garante a abertura da
ciência e conhecimento em geral à crítica da razão, pois consiste em admitir que
toda verdade pode e deve ser colocada à prova, sendo eventualmente modificada,
corrigida ou abandonada.
Valorização da ciência
É essa atitude do Iluminismo que elevará a ciência (no
sentido que essa palavra tem hoje) ao primeiro lugar na hierarquia das
atividades humanas. A física - sistematizada primeiramente na obra de Isaac
Newton - é considerada pelos iluministas como a ciência mãe ou como a
"verdadeira filosofia". O Iluminismo também será decisivo para
afastar a química da alquimia e assinalar as etapas fundamentais do
desenvolvimento das ciências biológicas, com a obra de diversos naturalistas.
Se os resultados obtidos pelas ciências dessa época -
séculos 17 e 18, vale recordar - já foram ultrapassados nos dias de hoje, cabe
ressaltar que eles puderam ser questionados e corrigidos pelo próprio
compromisso fundamental do Iluminismo de não bloquear a obra da razão em nenhum
campo e em nenhum nível, considerando todo resultado incompleto, provisório e
passível de ser corrigido.
Revoluções republicanas
Finalmente, o Iluminismo inclui o compromisso de se
utilizar a razão e os resultados que ela pode obter nos vários campos de
pesquisa para melhorar a vida individual e social do homem. Politicamente, as
idéias iluministas expressaram-se na Revolução Americana, de 1776, e Francesa,
de 1789, que apresentavam como seu objetivo declarado a felicidade ou o
bem-estar da humanidade.
Além disso, no plano social, o Iluminismo é responsável
por duas concepções de fundamental importância para a cultura moderna e contemporânea:
os conceitos de tolerância e de progresso. O princípio de tolerância religiosa
além de colocar a necessidade de convivência pacífica das várias confissões
religiosas, também foi responsável pela separação entre religião e Estado. Por
outro lado, o compromisso de transformação iluminista leva à concepção da
história como progresso, ou seja, como possibilidade de melhoria do ponto de
vista do saber e dos modos de vida do homem.
Contemporaneidade
Não há dúvida de que o Iluminismo é a matriz do nosso
mundo contemporâneo, principalmente pelo impulso que deu à ciência e a
laicidade (não-religiosidade). Embora, de um modo geral, em sua maioria,
cientistas e intelectuais contemporâneos prestem culto ao Iluminismo e
considerem suas "conquistas" como progressistas e inquestionáveis,
não deixam de existir correntes de pensamento que discutem essa avaliação:
afinal, a ciência e a tecnologia não só não resolveram inúmeros problemas da
humanidade, como também criaram diversos outros: basta lembrar das armas de
destruição em massa, dos efeitos da poluição ambiental, da mudança climática,
etc.
No âmbito de suma sociedade laica, em meio ao imenso
potencial tecnológico e às imensas desigualdades sociais dos dias de hoje, não
se pode deixar de considerar como conseqüências das Luzes do século 18 o
relativismo moral, o individualismo, o hedonismo, o consumismo, que talvez
mantenham o ser humano diante do mesmo obscurantismo que aquele movimento
filosófico quis iluminar. Sob o ponto de vista existencial é possível falar em
progresso num mundo em que ocorrem anualmente cerca de 400 mil homicídios e 800
mil suicídios, segundo estimativas das Nações Unidas?
Para você pensar
O filósofo contemporâneo inglês John Gray declarou numa
entrevista à revista "Época" em 26/12/05:
"Os seres humanos diferem dos animais principalmente
pela capacidade de acumular conhecimento. Mas não são capazes de controlar seu
destino nem de utilizar a sabedoria acumulada para viver melhor. Nesses
aspectos somos como os demais seres. Através dos séculos, o ser humano não foi
capaz de evoluir em termos de ética ou de uma lógica política. Não conseguiu
eliminar seu instinto destruidor, predatório. No século 18, o Iluminismo
imaginou que seria possível uma evolução através do conhecimento e da razão.
Mas a alternância de períodos com avanços e declínios prosseguiu inalterada. A
história humana é como um ciclo que se repete, sem evoluir."
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