Texto 4 - Erasmo, Desidério ou Erasmo de Roterdã


ERASMO, DESIDÉRIO (1467-1536), de Rotterdam, ingressou no convento dos Cônegos Regulares de Emmaus (Steyn), ordenou-se sacerdote e foi tutor de Henrique de Bergen, a cujo serviço realizou numerosas viagens (Inglaterra, França, Suíça, Itália). Em 1517 foi dispensado dos votos, mas continuou no sacerdócio, travando amizade com os maiores humanistas de sua época. O próprio Erasmo foi um dos principais representantes do humanismo renascentista. 

Sua obra de humanista, manifestada em suas edições de autores clássicos e seus trabalhos críticos sobre o Antigo e o Novo Testamentos, representou, entretanto, apenas um aspecto de sua atividade intelectual. Embora não possa ser considerado propriamente um filósofo, ao menos um filósofo sistemático, Erasmo esteve no centro de muitas das discussões filosóficas de sua época. Entre elas cabe mencionar especialmente a que teve como eixo o problema do livre-arbítrio. Contra os que acentuavam excessivamente a submissão do arbítrio humano à vontade divina, Erasmo defendeu a existência e o poder desse arbítrio. Foi isto, além do mais, que o opôs a Lutero (em seu desejo de introduzir uma reforma na Igreja, Erasmo considerara favoravelmente algumas de suas teses). Por esse motivo produziu-se uma ruptura entre Erasmo e Lutero, definitiva a partir da publicação, por parte do último, de seu tratado De servo arbítrio (1525) contra o De libero Arbítrio, publicado por Erasmo um ano antes. A defesa do livre-arbítrio não significa, porém, que Erasmo estivesse a favor de teses naturalistas ou neopelagianas extremas. O que ele pretendia era, antes, encontrar um justo meio que, ao mesmo tempo que salvasse a liberdade, confirmasse a ligação do homem com Deus. Esse justo meio foi, além disso, muito característico da atitude filosófica e humana de Erasmo em todos os problemas importantes. Assim, por exemplo, ás vezes ele parece inclinar-se para o "Deus único" manifestado em todas as religiões e caro a certos espíritos renascentistas. Mas essa inclinação é corrigida por sua insistência no caráter peculiar da vida cristã e em sua opinião de que apenas dentro dessa vida se dá a possibilidade de uma conciliação e de um verdadeiro humanismo. O mesmo ocorre com suas aspirações de reforma. Tratava-se, com efeito, para Erasmo, de conseguir a tão esperada pax fidei, de que falara Nicolau de Cusa, por meio de uma philosophia Christi, baseada no desenvolvimento da vida interna do cristianismo, mas sem destruir - antes revitalizando - a vida e a organização da Igreja. O humanismo, e a atitude tolerante que lhe era inerente, devia constituir justamente, para Erasmo, uma das bases para tal reforma. 


As doutrinas e opiniões de Erasmo exerceram sua época uma enorme influência. O erasmismo transformou-se em um dos grandes temas de discussão. A forma adotada por ele dependeu em grande medida da situação histórica do país no qual encontrava adeptos. Em muitas partes da Europa ele se transformou em doutrina destinada a impulsionar o saber e a manter a unidade da fé. Em outras partes apareceu como uma doutrina filosófica que mesclava sabiamente humanismo e cristianismo. Em uma delas, como na Espanha, quase sempre, como observou Américo Castro, uma vontade. Hoje chama a atenção a discrepância existente entre a "insignificância" filosófica do erasmismo e a influência exercida em sua época sobre os filósofos. Entretanto, essa discrepância toma-se menos acusada se levarmos em conta que na época de Erasmo a filosofia buscava não apenas novas idéias, mas também novas formas de expressão, e que Erasmo contribuiu notavelmente para estas últimas.



MORA, José Ferrater. Dicionário Filosófico - Tomo II. 2ª edição. São Paulo. Edições Loyola, 2005 (pgs. 856 e 857).

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